Além da Letra

"Cada enunciado é um elo de uma cadeia muito complexa de outros enunciados" Mickail Bakhtin

segunda-feira, setembro 25, 2006

Avaliação

"Se a boa escola é a que reprova, o bom hospital é o que mata".
Hamilton Werneck

Quando se fala em avaliação, se imagina uma sala de aula com suas cadeiras dispostas de tal forma que parecem ter sido separadas milimetricamente com filas separadas entre pares e ímpares, sendo que um aluno não pode entrar em contato com o outro. Todos ficam posicionados como se estivessem em uma corrida, competitiva, que nos faz pensar que aquele que chega primeiro é o melhor. Alguns professores transpiram competição o tempo todo e, se pudessem, criariam verdadeiros sistemas de chegada com ganhos e perdas para todos os alunos a cada bimestre. Para estes educadores é impossível que todos aprendam. Mesmo diante de novas perspectivas, nos parece que o corpo docente que trabalha dentro das escolas no ensino básico, resiste à percepção de que a avaliação deve servir como meio de auxílio para professores e alunos. Os professores no ensino fundamental parecem estar mais abertos a novas mudanças, ou pelo menos, mais conscientes do papel das avaliações nas escolas.
Não são raros os professores que aplicam provas sem, nem ao menos prepará-las com carinho, o que incluiria o conhecimento do aluno, o preparo e as possibilidades do mesmo. O processo avaliativo não existe por si só e não pretende uma melhora na aprendizagem, mas na racionalidade e na justiça nas práticas educativas. Avalia-se não só para cumprir com uma função do professor, de manter atua-lizado o currículo do aluno mas fundamentalmente, se faz avaliação para conseguir a melhoria do processo educativo como um todo.
Mas se alguns professores economizam tempo ao prepararem suas provas, por outro lado dispendem um tempo enorme para corrigí-las e atribuir notas e conceitos ao término de cada período letivo. Isto só complica. Principalmente se tais provas são aplicadas após o término dos segmentos letivos. Pessoalmente acho que não existe maneira de avaliar um aluno apenas com um pedaço de papel onde a subjetividade do professor é que comanda tal avaliação ou, ainda, se o professor está de bem com a vida na hora da correção. Não compreendo até hoje o porquê de ter sido reprovada no 2º ano do meu antigo 2° grau. Precisaria, para passar de ano, obter uma nota 13 na minha prova de recuperação, o que era impossível. Porém foi estabelecido que conforme seriam as notas, individualmente falando, o aluno teria uma nova chance de tirar aquilo que faltasse para conseguir os pontos necessários. Estudei e cumpri meu papel de boa aluna: decorei todas as fórmulas que tinham para ser decoradas e o impossível aconteceu. Tirei uma maravilhosa nota 9, bem diferente do meu medíocre e costumeiro 1. Isto aliviou a todos, pois quem tira 9 em uma prova, conseguiria com tranqüilidade, tirar o resto que faltava, ou seja, a nota 4. A única coisa que me lembro agora é que o dia da segunda prova foi o dia mais quente do ano, era véspera de Natal, e quase todos os meus amigos estavam de férias. Fiz a prova e fui para casa. Algum tempo depois soube que estava reprovada porque uma nota 2 não seria o suficiente para passar. Não vi mais o professor, que no ano seguinte mudou de escola, e até hoje não sei onde foi que errei já que completei toda a prova. Fiquei "disparcerada" de meus colegas e até hoje detesto quando algum problema recai em uma Progressão Aritmética ou uma Progressão Geométrica, ou então em uma Análise Combinatória.
Não me preocupei mais em compreender muitas coisas, mas sim em correr atrás de meus pontos, milésimos e décimos de pontos. Assim não foi só comigo. Esta competição é travada entre todos aqueles que querem passar de ano. Principalmente na faculdade isto existe e muito. Afinal, aquele que possui uma melhor nota ou desempenho será o melhor profissional. Será?
Enfim se formos a fundo no que está errado diante dos processos avaliativos que existem, teríamos páginas e mais páginas depressivas que nos remeteriam a uma discussão sem fim. Discussão esta que está sendo feita há muito tempo por muitos especialistas. Porém o que mais me chama atenção nos textos que li, foi o medo que a grande maioria dos professores tem de mudar. São tantas as desculpas, tais como: Não temos tempo de fazer um outro tipo de avaliação. Ganhamos pouco e temos todo o tempo ocupado.
Como já citei antes, o tempo gasto nas correções de provas é imenso e tais professores não compreendem que avaliar é acompanhar o aluno desde o momento que este coloca os pés em sala de aula. Ao mesmo tempo em que o aluno é avaliado, os métodos empregados pelo professor também proporcionam uma ótima oportunidade para o professor também crescer. Uma das discussões básicas levantadas por alguns profissionais é traduzida pelo seguinte artigo que saiu no Jornal O Globo em 01/12/91, pg.18: - "Proibir a repetência é um suicídio total, uma demagogia de baixíssimo nível, incompatível com a tentativa do Brasil de sair do Terceiro Mundo. E se depois de oito anos descobrirem que o aluno é analfabeto, o que vão fazer? Matar o aluno para não comprometer a modernidade do país? Parece me que é isso que está sendo proposto." Bem, para começar, o professor não é nenhum idiota. Ele sabe quando seus alunos estão evoluindo ou estagnados; aliás, é somente ele que pode dizer isto. Sabemos da pressão por parte dos pais, mas sabemos também do poder do professor dentro de sua sala de aula e na comunidade ao seu redor. As provas cansativas, e na maioria das vezes usadas como único recurso avaliativo, devem deixar de ser usadas como redes de segurança em termos do controle exercido pelos professores sobre os alunos, pelas escolas e pelos pais sobre os professores e do sistema sobre as escolas. Controle este que parece não garantir o ensino de qualidade que viemos pretendendo, pois as estatísticas são cruéis em relação à realidade de nossas escolas.
A verdade é que tal sistema classificatório é tremendamente vago no sentido de apontar falhas no processo. Não aponta as reais dificuldades dos alunos e dos professores. Não sugere qualquer encaminhamento, porque discrimina e seleciona antes de tudo. Apenas reforça a manutenção de uma escola para poucos.
Temos que perder o medo de também sermos avaliados, não no sentido de quantidade, mas de procurarmos novos caminhos onde todos, e principalmente o governo, devam cumprir o seu papel, proporcionando ao professor uma melhor qualidade material, incluindo os salários já tão discutidos por todos. Aí sim nós, os novos professores, estaremos prontos para aprender com os erros e os acertos do antigo sistema. A saída é perder o medo de dialogar e compreender o porquê de tanta resistência a mudanças que as pessoas têm.
" SE NÃO AMO O MUNDO, SE NÃO AMO A VIDA, SE NÃO AMO OS HOMENS, NÃO ME É POSSÍVEL O DIÁLOGO." ( Freire, 1979, p. 94 ).
Maria Luciana de Oliveira

1 Comments:

  • At 5:03 AM, Blogger ocontradito said…

    Há semanas atrás, escrevi aqui que a proposta de novo Estatuto (ou revisão do anterior) da Carreira Docente enfermava de uma omissão: a redefinição de um “direito” dos docentes a que se designava de “interrupção da actividade docente”.

    Uma coisa muito difusa que, convenientemente interpretada, dava mais 30 dias de férias aos professores. Para além dos dias de férias “normais”.

    Felizmente, o Ministério não tinha dado por terminado o seu trabalho. Assim, após alguma audição com os sindicatos, não se limitou a limar arestas à proposta apresentada. Introduziu melhorias importantes nesta área.

    1)Fim da interrupção das actividades docentes: Erradicada. e BEM.

    Mantêm-se as já existentes interrupções das actividades lectivas. Os períodos em que os alunos, ou não estão nas escolas ou lá estão em actividades de lazer e/ou ocupação de tempos livres, recuperação curricular, etc. Devidamente enquadrados pelos professores (é uma das suas funções – docentes – não lectivas).

    2)Fim da possibilidade das direcções escolares poderem não convocar os professores, nesses períodos, para o desenvolvimento de outras actividades não lectivas, antes consagrada no documento.

    Agora, as opções estão resumidas às listadas: formação pessoal e trabalho na escola. E o horário? O normal. Igual ao de todos os funcionários que não estão em férias.


    O ECD está muitíssimo melhor. Será, mesmo, um enorme passo em frente na melhoria do nosso ensino. Parabéns à ministra e sua equipa.

    Apenas um senão: a avaliação docente.

    Considero um erro o sistema de avaliação proposto. É tão complicado e exaustivo que trará muita burocracia ao sistema. E lá estaremos, mais uma vez, a acrescentar e utilizar recursos (avaliadores, inspectores, procedimentos e burocracias sem fim) com vista a um objectivo (classificar professores individualmente) totalmente desligado e irrelevante para os alunos e para o seu sucesso. Ao longo do ano, em vez de se preocuparem com a qualidade e produtividade do ensino ministrado, teremos uma escola centrada na avaliação dos seus docentes: inspectores internos e externos, papelada sem fim, reclamações, invejas e discussões, recursos e protestos. Tudo e todos à volta de um processo (avaliação individual de docente) que vai sorver recursos e atenções, muito melhor gastos se centrados no que realmente interessa: a melhoria dos processos e no aumento da produtividade da Escola.

    Erro, porquê?

    Simplesmente porque de nada adianta classificar os professores. Se é para escolher quem progride na carreira, há outras formas mais simples.

    A classificação dos professores não determinará (por si só) restrições ao progresso na carreira. As quotas sim. Pelo que… havendo quotas, torna-se desnecessário dizer quem é Bom, Suficiente ou Muito Bom.

    As quotas são fundamentais. Seleccionam os profissionais de topo.
    É fundamental que o progresso na carreira seja um prémio para quem cumpre… para além dos mínimos.

    Quem cumpre, terá direito ao seu ordenado. Quem se excede será promovido. Este é o objectivo. Mas, poderá ser atingido de outra forma mais simples:

    Assim, estariam aptos a progredir os docentes que:

    1) Estivessem dentro de uma quota de promoções anuais a atribuir a cada escola. Essa quota seria variável, em torno de um valor base de 1/18 do número de professores do quadro (1/3 do quadro, de seis em seis anos). Variaria entre 1/14 e 1/22 consoante os resultados DA ESCOLA nos exames nacionais. Não do valor absoluto dos resultados, mas da sua EVOLUÇÃO, em relação ao ano anterior, no ranking nacional. Os exames nacionais no final de todos os ciclos seriam implementados imediatamente. Escolas em "subida" nos rankings teriam mais professores promovidos. Escolas "descendentes" menos...

    2) Atingissem 6 ou mais anos passados após a última progressão de escalão. Seriam sempre descontados os anos em que a abstenção tivesse sido superior à máxima admissível (3%). Um sistema de compensação de faltas (substituição de um professor faltoso por outro da mesma turma que daria uma sua aula - do substituto e não do substituído) seria determinante na flexibilidade do processo, esvaziando a argumentação sindical actual…

    3) Estivessem naquela escola há 3 ou mais anos, completos.

    4) Efectuassem uma formação anual de 25 horas, incluindo uma formação específica a definir pelo Ministério, em termos de conteúdo e em função do escalão.

    Se o número de docentes encontrados, cumpridores destes critérios, for superior ao da quota de progressão atribuído à Escola, bastaria efectuar uma seriação por voto secreto em que entrariam todos os restantes docentes do quadro (os não interessados naquele ano). Aqui, o trabalho e outras características qualitativas viriam ao de cima. Avaliadas pelos colegas, com quem trabalham...

    Os que não progredissem nesse ano, serão, normalmente, candidatos no ano seguinte.

    Este sistema traria inúmeras vantagens:

    Torna desnecessária a separação dos professores (titulares, dos outros).
    Assegura a progressão só para alguns: os mais cumpridores.
    Determina quotas de progressão em função da produtividade da Escola.
    Simplifica processos.
    Não introduz mais burocracia e objectivos laterais aos da Escola.
    Torna desnecessário determinações de não progressão de destacados, requisitados e outros: fora da escola, não é candidato a promoção.
    Valoriza as escolas mais isoladas e difíceis (onde o “espaço” de melhoria e evolução é maior).
    Valoriza a fixação de docentes numa Escola.
    Valoriza o trabalho de grupo ao invés do trabalho pessoal.
    Pressiona os “patinhos feios” que não “jogam em equipa” e prejudicam o todo a trabalharem mais e melhor.

    Quanto à avaliação dos professores pelos pais, é uma não questão. Serve ao Ministério para desviar atenções do que é realmente importante e serve aos Sindicatos para ridicularizar o processo, pois não deseja discutir abertamente as questões que lhes importam mesmo, mas que são insustentáveis publicamente...
    E esse item vai acabar numa simples caixa de reclamações. Que é o suficiente. Fica satisfeito o Ministério porque cede essa e ganha as outras. E ganha o sindicato que salva a face ganhando essa (apesar de perder no resto, a toda alinha).

    Haverá ainda tempo (e interesse) em cortar por aqui?

     

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