Além da Letra

"Cada enunciado é um elo de uma cadeia muito complexa de outros enunciados" Mickail Bakhtin

terça-feira, abril 17, 2007

Será que a aprendizagem conduz à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente, ou está a serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital? (Istivan Mészaros)

No período de colonização após o descobrimento do Brasil, a cultura foi imposta pelos descobridores. Os jesuítas, em suas primeiras viagens trouxeram a religião, responsável pela dominação cultural, e montaram a 1ª forma de educação, substituindo a língua dos índios pela sua, fazendo assim, a dominação de uma língua sobre a outra. Este início da estrutura disciplinar da educação,controle e dominação, garantiu a obediência ao sistema.

Atitude cultural de profundas raízes: pelas letras se estabeleceu a organização cultural.

“O que representava a alfabetização para os jesuítas a ponto de quererem, desde o início, alfabetizar os índios, quando nem em Portugal o povo era alfabetizado? Mais do que o resultado desta intenção, interessante é observar a mentalidade. As letras deviam significar adesão plena à cultura portuguesa. Quem fez as letras nesta sociedade? A quem pertencem? Pertencem à corte, como eixo social.” (José Maria de Paiva).

Os colégios jesuítas formavam letrados. Eram filhos das elites que se tornariam padres, advogados ou ocupariam cargos públicos. Estes guiariam as cidades. O colégio era um instrumento refinado de incutir a cultura dos portugueses. Lendo a gramática do colégio, via-se a gramática da cultura.

Durante muitos anos a questão da educação não teve nenhuma evolução significativa.

“Todas as formas de Estado, desde a independência até o presente, denotam a continuidade e reiteração das soluções autoritárias (...) organizando o Estado segundo os interesses oligárquicos, burgueses, imperialistas.” (Octávio Ianni).

Entre os anos de 1920 e 1930 surgiram os Pioneiros da Educação. Desejavam realizar grandes reformas no ensino, com a finalidade de negar os métodos arcaicos e trazer a modernização ao sistema brasileiro.

Em 1930 criou-se o Ministério da Educação e Saúde.

Pela primeira vez a categoria de professores autônomos discutiu e construiu uma proposta pedagógica. Esses grupos intelectuais formaram a ABE – Associação Brasileira de Educação – que dava importância à reformulação do ensino. Fizeram debates, reuniões, conferências e documentos qualificados, exercendo a função de combater o governo autoritário. A ABE serviria para demarcar a autonomia da esfera educacional, transformando o foco do educador para o educando.

Um dos documentos trazidos foi o “Manifesto dos Pioneiros” que tratava de uma nova visão para a educação. Este foi entregue ao governo Vargas que não lhe deu a devida importância, pois ao governo não interessava a emancipação do povo. Isso inibia a iniciativa baseada na Escola Nova, no plano de educação e no social.

Vargas tinha a intenção de modernizar o Brasil e em 1940 preparou o país para o mundo do trabalho. Ainda assim as regalias continuavam voltadas para o governo e para a elite.

Surgiram as leis orgânicas criadas no período do “Estado Novo”, que pretendiam consolidar o “Capitalismo Industrial Brasileiro” e suas relações, organizando a educação, mas sempre atendendo aos interesses do governo:

Lei Orgânica do Ensino Secundário

“Art. 1º. O ensino secundário tem as seguintes finalidades:
1 - Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes;
2 - Acentuar a elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística;
3 - Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial”.

Esta lei proporcionou a continuidade do estudo na escola. Garantiu que os estudantes do ensino secundário poderiam alcançar o ensino superior.

Lei do Ensino Industrial

“ Art. 1º. Esta Lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial. Este é o ramo de ensino de grau secundário, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades artesanais e, ainda, dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca.”

CAPÍTULO I - DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO ENSINO INDUSTRIAL
Art. 3º. O ensino industrial deverá atender:
1 - aos interesses do trabalhador, realizando a sua preparação profissional e a sua formação humana;
2 - aos interesses das empresas, nutrindo-as, segundo as suas necessidades crescentes e mutáveis, de suficiente e adequada mão-de-obra;
3 - aos interesses da nação, promovendo continuamente a mobilização de eficientes construtores de sua economia e cultura.

Art. 4º. O ensino industrial, no que respeita à preparação profissional do trabalhador, tem as
finalidades especiais seguintes:
1 - formar profissionais aptos ao exercício de ofício e técnicas nas atividades industriais;
2 - dar a trabalhadores jovens e adultos da indústria, não-diplomados ou habilitados, uma qualificação profissional que lhes aumente a eficiência e a produtividade;
3 - aperfeiçoar ou especializar os conhecimentos e capacidades de trabalhadores diplomados ou habilitados;
4 - divulgar conhecimentos de atualidades técnicas”.

Esta lei servia as necessidades do mercado (da nação e da indústria). O trabalhador servia para receber ordens – trabalho técnico – aprimorando-se apenas no que fosse referente a sua especialização. Não tinha base comum curricular, era extremamente técnico. O aluno não podia ingressar em área diferente da qual estava cursando, sem terminar a que estava fazendo, a não ser que ele começasse tudo de novo.
Neste mesmo período foram criados o SENAI e o SENAC favorecendo o capitalismo industrial brasileiro.

“(...) a força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no poder coercitivo do seu aparelho de Estado, mas na aceitação por parte dos dominados de uma concepção de mundo que pertence a seus dominadores.” (José Luis Fiori).

O dominado aceita a cultura do dominador. Escola é o aparelho ideológico do estado. Até hoje é assim.

“A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de, não somente fornecer conhecimento e pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também a gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa a gestão da sociedade (...)”. (Istivan Mészaros).

Os homens não são totalmente manipuláveis. Através de uma integralidade, ou seja, da união entre o ser intelectual, social e moral, eles podem criar alternativas para a mudança. Esta se expressa bem na citação de Antônio Gramsci:
“(...) não há nenhuma atividade humana da qual possa se excluir qualquer intervenção intelectual _ o homo faber não pode ser separado do homo sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um filósofo, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, tem uma linha consciente de conduto moral, e portanto contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, para estimular novas formas de pensamento.”

Foi citado, também, por Istivan Mészaros:
“Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Conseqüentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança”.

Muitos estudiosos trouxeram contribuições para a mudança no ensino. Como exemplo podemos citar Paulo Freire que com novo método alfabetizou trabalhadores em 40 horas. Por volta de 1964 ele foi exilado. A ditadura militar não queria que ele levasse o conhecimento à população. Contudo ele não desistiu. Exilado, em vários países, escreveu alguns livros, entre eles, Pedagogia do Oprimido. Um de seus lemas era a pedagogia do conhecimento, embasada na antropologia, tirada da visão de mundo (leitura do mundo; leitura da palavra - o interesse precede o conhecimento).

Paulo Freire propôs a reconstrução do ensino, para que houvesse uma transformação, de modo que os estudantes vivenciassem a história de suas vidas. E ainda disse que “educar-se é encharcar-se do cotidiano”. Para ele a educação deveria ser feita de forma que o aluno tivesse autonomia intelectual e um cidadão que pudesse escolher seus dirigentes. Então ele colocou o oprimido no palco da escola.