REAL, REAIS...
Cláudio Moreno
Uma leitora japonesa, casada com um brasileiro, escreve de Quioto para elogiar esta coluna.
Como o casal pretende mudar-se para o Brasil, ela vem estudando regularmente o nosso idioma, mas tem encontrado algumas dúvidas que os livros de que dispõe não conseguem solucionar.
"Não consigo entender, professor, por que parabéns não tem singular e por que real, a moeda brasileira, não tem plural". Como vou mostrar a seguir, minha cara leitora, não é bem isso o que acontece por aqui.
Em primeiro lugar, não podemos afirmar que parabéns não tem singular. É certo que existem, em nosso idioma, muitos vocábulos que praticamente só usamos no plural, conhecidos como pluralia tantum - expressão tradicional da gramática latina que significa "apenas plurais". E não são tão poucos assim; entre os mais conhecidos, lembro-te afazeres, anais, arredores, bodas, condolências, confins, esponsais, fezes, exéquias, núpcias, parabéns, pêsames, primícias, víveres.
Como a marca do plural é sempre acrescentada a uma forma anterior, não-marcada, não há dúvida de que todos eles têm (ou tiveram) uma forma singular, que, por razões semânticas, simplesmente deixou de ser empregada. Em textos mais antigos, vais encontrar, aqui e ali, alguma ocorrência de pêsame, fez, boda, etc., prática logo abandonada. Nosso estimado Padre Vieira, em seus Sermões, escritos no século 17, usa parabém por toda parte, inclusive fazendo um jogo de palavras tão ao seu gosto: "Alcançaram o que pediram, aceitaram muito contentes o parabém do despacho, mas o despacho não era para bem". Certamente haveríamos de achar outros exemplos em escritores da mesma época, mas isso não deve obscurecer o fato, hoje incontestável, de que esses vocábulos devem ficar mesmo é no plural. Para fins práticos, devem ser considerados como aquelas cadeias de montanhas que também sugerem a existência de um singular perdido na noite dos tempos: os Alpes, os Andes e os Pirineus.
Quanto ao nosso real, admito que muita gente simplesmente não utiliza a forma do plural, sob a misteriosa justificativa de que é o nome próprio do nosso dinheiro (!); conseguem, sem enrubescer, dizer vinte real, assim como os camelôs cariocas falam de dez dólar. Estas pessoas devem ter memória curta, para esquecer que, em vernáculo, nossas moedas sempre tiveram singular e plural: sempre se falou e escreveu cruzeiros e cruzados; continuamos a nos endividar em dólares e em euros; as páginas da literatura estão repletas de tostões e vinténs, piastras e rupias, patacões e balastracas.
Quando a nossa atual moeda foi instituída, houve uma breve discussão sobre qual seria o seu plural; os mais afobadinhos encontraram "real - pl. réis" nos dicionários e vieram, triunfantes, corrigir os que começavam a dizer reais. Em pouco tempo, contudo, esclarecia-se o equívoco: réis era o plural de um real virtual ("moeda ideal", diz Morais), valor apenas de referência; o verdadeiro real, antiga e respeitável moeda portuguesa, fazia mesmo o plural reais (como, aliás, qualquer substantivo terminado em -AL). O velho dicionário de Morais (minha edição é de 1813) é bem rico em detalhes: explica-nos que havia os "reais brancos del-Rei D. Duarte; eram de cobre com estanho, 20 deles faziam uma libra e valiam 36 réis"; "os reais pretos, de cobre sem liga"; e "os reais de prata".
Portanto, prezada leitora, quem te disse que aqui não pluralizamos o nome da nossa moeda enganou-te direitinho, pois assim fazemos desde 1994. E já que vens morar no Brasil, brindo-te com uma útil observação: o antigo mil-réis hoje serve para designar, popularmente, qualquer unidade do inconstante dinheirinho brasileiro; eu já usei mil-réis (o nosso simpático merréis, avô da merreca) para falar do cruzeiro, do cruzado, do cruzado-novo, do cruzeiro-novo e agora do real. Se um dia - que os deuses não permitam! - surgir o real-novo, vou continuar a dizer "Custa dois mil-réis".
(Porto Alegre, 13 de novembro de 2004 - Jornal Zero Hora, Edição nº 14328) [Prof Cláudio Moreno - E-Mail claudio.moreno@zerohora.com.br - www.sualingua.com.br]