Além da Letra

"Cada enunciado é um elo de uma cadeia muito complexa de outros enunciados" Mickail Bakhtin

quinta-feira, junho 28, 2007

A carta que não foi mandada

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei...
nem lembro mais

Vinicius
A anunciação

Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...

Vinicius de Moraes
A ausente
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos.
Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios Vem.
Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba.
Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...


Vinicius de Moraes
UM MINUTO APENAS

(texto do Momento Espírita do site: momento.com.br)

Lúcia era uma mulher feliz. Como poucas, acreditava.
Casada com o homem por quem se apaixonara nos verdes anos da adolescência, vivia o sonho da mulher realizada. Um filho lhe viera coroar a felicidade.
Que mais ela poderia desejar?
Acordava pela manhã e saudava o dia cantarolando. Com alegria realizava as tarefas do lar, cuidava do filho, aguardava o marido.
Tudo ía muito bem. Até o dia em que descobriu que o homem que tanto amava, a traía. E não era de agora. O problema vinha tomando corpo de algum tempo.
Magoada, se dirigiu ao marido. Exigiu-lhe e falou-lhe de respeito.
A resposta foi brutal, violenta. O homem encantador tornou-se raivoso, briguento. Chegou a bater-lhe.
Foi nesse dia que Lúcia teve a certeza de que seu casamento acabara. Era o cúmulo.
Não poderia prosseguir a viver com alguém que chegara à agressão física.
Então, acordou na manhã de tristeza, depois de uma noite de angústia e tomou uma séria decisão.
Iria se matar. Acabar com a própria vida. Mais do que isto. Ela desejava vingança.
Por isto, tomou o filho de 4 anos pela mão e decidiu que o mataria. Queria que o marido ficasse com drama de consciência.
Seu destino era o Farol da Barra, na cidade de Salvador, na Bahia, onde residia. Ela sabia que era um local onde o mar batia com violência no penhasco.
A rua por onde transitava era movimentada. Muitos carros. Enquanto aguardava para atravessar a rua, a criança lhe escapou das mãos e correu, entre os carros. Ela se desesperou.
Estranho paradoxo. Conduzia a criança pela mão e tencionava jogá-la do penhasco ao mar para que morresse.
Mas, quando a vê correr perigo, esquecida de si mesma, vai-lhe ao encontro, agarra-o, até um pouco raivosa. Puxa-­o pela mão.
Neste momento, a criança se abaixa, alheia a tudo que se passava, e recolhe do chão um papel.
Lúcia o arranca das mãos do pequeno e um título, em letras grandes, lhe chama a atenção: Um minuto apenas.
Ela lê: "Num minuto apenas, a tormenta acalma, a dor passa, o ausente chega. O dinheiro muda de mão, o amor parte, a vida muda."
Vai andando, puxando a criança e lendo a página. Era uma página mediúnica que vinha assinada por um Espírito.
Ela terminou de ler. Passou o ímpeto. Em um minuto. Parou, olhou ao redor e verificou que tinha chegado ao seu destino. O penhasco estava próximo. Sentou-se e teve uma crise de choro.
O impulso de se matar havia desaparecido. Tornou a ler a mensagem. Ela se recordou de um senhor que era espírita e trabalhava no Banco, no mesmo onde seu marido trabalhava.
Foi para casa. Lembrou que um dia, jantando em casa dele, ele falara algo sobre Espiritismo. Algo que ela e o marido, por terem outra formação religiosa, rechaçaram de imediato.
Ela lhe telefonou, pediu-lhe orientação e ele a encaminhou a um Centro Espírita.
Atendida por companheiro dedicado, que lhe ouviu os gritos da alma aflita, passou a buscar na oração sincera, na leitura nobre, no passe reconfortante, as necessárias forças para superar a crise.
O marido, notando-lhe a mudança, a calma, no transcorrer dos dias, a seguiu em uma das suas saídas do lar. Desconfiado, adentrou ele também à Casa Espírita. Para descobrir uma fonte de consolo e esclarecimento.
Hoje, ambos trabalham na Seara Espírita. Reconstituíram sua vida, refizeram-se. Os anos rolaram. O garoto é um adolescente e mais dois filhos se somaram a ele.
Mudança de rumo. A vida muda. Em um minuto apenas. Em um minuto apenas Deus providencia o socorro.
Pode ser um coração atento, uma mão amiga ou um pedaço de papel impresso caído na calçada. Papel que o vento não levou para longe.
Um minuto apenas e o amor volta. A esperança renasce. Um minuto apenas e o sol rompe as nuvens, clareando tudo.
Não se desespere. Espere. Um minuto apenas. O socorro chega. O panorama se modifica. A vida refloresce.
Tenha paciência. Não se entregue à desesperança. Aguarde. Enquanto você sofre, Deus providencia o auxílio.
Aguarde. Um minuto apenas. Sessenta segundos. Uma vida.
Um minuto a mais...

“Em um minuto apenas, a Misericórdia Divina se derrama, cheia de bênçãos, nas vielas escuras dos passos humanos. Corrige, saneia, repara, transformando-as em estradas luminosas no rumo da vida maior."
Texto da Redação do Momento Espírita, com base no cap. 24 do livro O semeador de estrelas, de Suely Caldas Schubert, ed. Leal
Sempre que o mundo desabava sobre minha cabeça, eu ia andar pela praia, próxima de onde morava. Um dia encontrei uma bela garotinha de olhos tão azuis quanto o mar, construindo um castelo de areia ou algo parecido. Oi, disse ela. Eu respondi com um aceno de cabeça, não estava com humor para me aborrecer com uma criança. Você quer me ajudar a construir meu castelo? Hoje não. Falei pouco atencioso. Eu gosto de sentir a areia em meus dedos do pé, ela falou sorridente. Que boa idéia, pensei, e tirei meus sapatos. Um siri deslizou próximo. Isto é um "alegria", falou a criança. É um o quê?, perguntei. Isto é um "alegria", livre pela praia. Adeus "alegria", olá dor, murmurei comigo mesmo e continuei a caminhar. Eu estava deprimido, mas a menina não desistia e perguntou: qual é o seu nome? Eu sou Robert Peterson, respondi.. O meu é Wendy... Eu tenho seis anos. Oi, Wendy. Apesar de minha melancolia fui obrigado a rir e continuei caminhando. Sua risadinha musical me seguiu. Venha novamente, Sr. P., disse ela, animada. Nós teremos outro dia feliz. Meus dias foram atribulados e somente semanas depois é que voltei à praia. A brisa era fria, mas eu andava a passos largos, tentando readquirir serenidade. Tinha até me esquecido da criança, quando ela apareceu. Oi, Sr. P., você quer brincar? Não sei, que tal charadas? Perguntei sarcasticamente. Eu não sei o que é isto, falou a menina. Então me deixe continuar a caminhada. Onde você mora? Perguntei-lhe. Ali. Ela respondeu apontando na direção de uma fila de cabanas de verão. Como você vai para a escola? Eu não vou à escola. A mamãe disse que nós estamos de férias. Ela tagarelou e quando eu ia voltar para casa, Wendy disse que tinha sido outro dia feliz. E havia sido mesmo.
SABEDORIA

(texto do Momento Espírita impresso do site: momento.com.br)

Conta-se que num país longínquo, há muitos séculos, um rei se sentiu intrigado com algumas questões. Desejando ter respostas para elas, resolveu estabelecer um concurso do qual todas as pessoas do reino poderiam participar.
O prêmio seria uma enorme quantia em ouro, pedras preciosas, além de títulos de nobreza.
Seria premiado com tudo isto quem conseguisse responder a três questões: qual é o lugar mais importante do mundo? Qual é a tarefa mais importante do mundo? Quem é o homem mais importante do mundo?
Sábios e ignorantes, ricos e pobres, crianças, jovens e adultos se apresentaram, tentando responder as três perguntas.
Para desconsolo do rei, nenhum deles deu uma resposta que o satisfizesse.
Em todo o território um único homem não se apresentou para tentar responder os questionamentos. Era alguém considerado sábio, mas a quem não importavam as fortunas nem as honrarias da terra.
O rei convocou esse homem para vir à sua presença e tentar responder suas indagações. E o velho sábio respondeu a todas:
- O lugar mais importante do mundo é aquele onde você está. O lugar onde você mora, vive, cresce, trabalha e atua é o mais importante do mundo. É ali que você deve ser útil, prestativo e amigo, porque este é o seu lugar.
- A tarefa mais importante do mundo não é aquela que você desejaria executar, mas aquela que você deve fazer.
- Por isso, pode ser que o seu trabalho não seja o mais agradável e bem remunerado do mundo, mas é aquele que lhe permite o próprio sustento e da sua família. É aquele que lhe permite desenvolver as potencialidades que existem dentro de você. É aquele que lhe permite exercitar a paciência, a compreensão, a fraternidade.
- Se você não tem o que ama, importante que ame o que tem. A mínima tarefa é importante. Se você falhar, se se omitir, ninguém a executará em seu lugar, exatamente da forma e da maneira que você o faria.
E, finalmente, o homem mais importante do mundo é aquele que precisa de você, porque é ele que lhe possibilita a mais bela das virtudes: a caridade.
- A caridade é uma escada de luz. E o auxílio fraternal é oportunidade iluminativa. É a mais alta conquista que o homem poderá desejar.
O rei, ouvindo as respostas tão ponderadas e bem fundamentadas, aplaudiu, agradecido.
Para sua própria felicidade, descobrira um sentido para a sua vida, uma razão de ser para os seus últimos anos sobre a Terra.
***
Muitas vezes pensamos em como seria bom se tivéssemos nascido em um país com menos inflação, com menos miséria, sem taxas tão altas de desemprego, gozando de melhores oportunidades.
Outras vezes nos queixamos do trabalho que executamos todos os dias, das tarefas que temos, por acha-las muito ínfimas, sem importância.
Desejamos que determinadas pessoas, importantes, de evidência social ou financeira pudessem estar ao nosso lado para nos abrir caminhos.
Contudo, tenhamos certeza: estamos no lugar certo, na época correta, com as melhores oportunidades, com as pessoas que necessitamos a nossa evolução.
Pense nisso. Mas, pense agora.

Equipe de Redação do Momento Espírita, baseado em texto intitulado Sabedoria, inserido no Mensário Espírita O Sol Nascente, de setembro2001, nº 390, ano XXXII e sem menção a autor.
A Santa Ceia (Leonardo da Vinci)

Diz uma lenda referente à pintura da Santa Ceia, ou "Última Ceia de Jesus com seus Apóstolos":
Ao conceber este quadro, Leonardo da Vinci deparou-se com uma grande dificuldade:
precisava pintar o bem - na imagem de Jesus, e o mal - na figura de Judas, o amigo que resolvera trai-lo durante o jantar.Interrompeu o trabalho no meio, até que conseguisse encontrar os modelos ideais.
Certo dia, enquanto assistia a um coral, viu em um dos rapazes a imagem perfeita de Cristo.Convidou-o para o seu ateliê, e reproduziu seus traços em estudos e esboços.
Passaram-se três anos.
A 'Última Ceia' estava quase pronta, mas Da Vinci ainda não havia encontrado o modelo ideal de Judas.
O cardeal, responsável pela igreja, começou a pressioná-lo, exigindo que terminasse logo o mural.
Depois de muitos dias procurando, o pintor finalmente encontrou um jovem prematuramente envelhecido, bêbado, esfarrapado, atirado na sarjeta. Imediatamente, pediu aos seus assistentes que o levassem até a igreja.
Da Vinci copiava as linhas da impiedade, do pecado, do egoísmo, tão bem delineadas na face do mendigo, que mal conseguia parar em pé.Quando terminou, o jovem - já um pouco refeito da bebedeira – abriu os olhos e notou a pintura à sua frente. E disse, numa mistura de espanto e tristeza:
- Eu já vi esse quadro antes!- Quando? Perguntou, surpreso, Da VinciHá três anos atrás, antes de eu perder tudo o que tinha, numa época em que eu cantava num coro, tinha uma vida cheia de sonhos e o artista me convidou para posar como modelo para a face de Jesus.
“ O Bem e o Mal têm a mesma face;tudo depende apenas da época em que cruzam o caminho de cada ser humano."
Autor desconhecido